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Sobre o regresso dos cagarros e garajaus

 

A caravela-portuguesa é uma das visitantes anuais do Arquipélago dos Açores. Não será propriamente a visita mais desejada...
Foto: F Cardigos SIARAM

A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves celebrou a chegada dos cagarros e garajaus aos Açores. Reuniram os interessados na Lagoa, São Miguel, e observaram os voos costeiros rasantes dos cagarros. Como não estive lá, não posso garantir o que viram, mas posso imaginar…

Os cagarros são aves com centenas de milhares de anos de adaptação ao meio marinho. Ao voarem sobre as ondas, aproveitam a impulsão das vagas para poupar energia. Isso obriga-os a manterem-se a uma distância centimétrica da água, fazendo um autêntico bailado sincronizado com o andamento das ondas. Como conseguem não tocar com as asas no mar é uma ciência que me ultrapassa. Neste caso, não me detenho a procurar explicações. Limito-me a apreciar.

Tenho alguma dificuldade em contabilizar as horas que já passei na proa de um barco a seguir o floreado dançante dos cagarros. Ao final da tarde, junto das colónias mais populosas dos Açores, como a Ponta dos Rosais ou a Vila do Corvo, os cagarros reúnem-se aos milhares, esperando pela noite que os levará em maior segurança até terra.

Os cagarros possuem uma resistência admirável. São capazes de fazer voos de milhares de quilómetros, não estou a exagerar, para encontrar os mananciais de pescado adequados à sua dieta e à dos seus descendentes.

No entanto, neste rigorosíssimo inverno de 2012/13, algumas das aves que chegaram aos Açores no final do período de invernia, acabaram pornão resistir. Seja por falta de alimento, pelas baixas temperaturas, pelo vento fortíssimo ou pelo mar tempestuoso, dezenas de cagarros acabaram por cair no mar, muitos deles morrendo e arrojando na orla costeira. Infelizmente, o número de mortos registados na Praia de Porto Pim, no Faial, é apreciável. Na ilha de São Miguel, os registos apontam apenas para aves caídas em terra e, de imediato, postas a salvo pela colaboração entre os populares que as encontraram e os Vigilantes da Natureza que as recuperaram e libertaram no final de mais uma tempestade.

À noite, ao andar pelas ruas do Faial, oiço os cagarros e sinto uma sensação muito agradável. A primavera, embora não pareça, está a chegar. Agarro-me aos grasnares destas aves e penso em noites de verão.

Ainda não ouvi os garajaus. Não sei onde andam, embora a SPEA já os tenha registado na Lagoa. No Faial também já devem ter chegado, mas, num transecto feito há duas semanas, não os registei no Monte da Guia.

Os Açores esperam as duas espécies mais habituais de garajaus, os comuns e os rosados, para que também o ciclo destas frágeis aves marinhas se complete no regaço das rochas pretas do basalto açoriano. Especialmente, os ilhéus da Alagoinha (Flores), o ilhéu da Mina (Terceira) e o ilhéu da Vila (Santa Maria) não atingem a harmonia sem as respetivas colónias de garajaus.

O ciclo repete-se com a chegada destas aves marinhas migradoras. Todos os anos, a ecologia dos Açores completa-se com a chegada e partida de baleias, cachalotes, golfinhos, tartarugas, aves marinhas, peixes, águas-vivas e tantos outros animais deste magnífico oceano. Observar esta cadência é como ler uma poesia escrita pela mão de Deus.

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